segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Sobre flamingos

Mia Couto é um escritor nascido em Moçambique e que escreve livros sobre a identidade de seu país e continente. O interessante é que neles Couto é minoria por ser branco. Isso por si só já é um exercício bastante interessante de nos perguntarmos de qual ponto-de-vista o autor escreve.
Mas quando eu disse que ele trata em seus livros sobre a identidade de Moçambique quis resumir que Mia Couto narra através dos símbolos culturais de lá a luta de sua nação para resistir às guerras, às crises financeiras e às influências externas. 
O livro O ÚLTIMO VOO DO FLAMINGO, por exemplo, mostra uma missão da ONU (Organização das Nações Unidas) chegando à imaginária vila de Tizangara para investigar os motivos pelos quais soldados de paz estavam explodindo. "Explodir" talvez não seja o verbo adequado para o que acontece com os boinas-azuis mas eu realmente não sei qual outro usar e quando vocês lerem o livro vão entender.
Através de um consultor italiano da ONU que fica em Tizangara para descobrir o que houve com os soldados, Massimo Rissi, e seu tradutor local vamos descobrindo personagens fascinantes como a prostituta Ana Deusqueira, um padre que briga com Deus, o feiticeiro Zeca Andorinho, as figuras de poder da vila Chupanga, Ermelinda e seu marido Estêvão e o pai do tradutor, o velho Sulplício.
E é este homem, Sulplício, quem narra o que aconteceu e acontece na vila. Mesmo que nunca fique realmente dito o que provocou a explosão dos soldados nós começamos a ter uma ideia. E, mais, passamos a entender o povo de Moçambique que quer, ele próprio, resolver os seus problemas. 
A figura maior da trama, o flamingo, é um animal extremamente elegante e bonito. Mas visualmente frágil e delicado. Segundo a mãe do tradutor foi um flamingo que em seu derradeiro voo trouxe a noite para o mundo. E essa história cresce a cada vez que é contada. Cresce ao ponto desse voo tornar-se o símbolo da esperança de que tudo pode se ajeitar com o tempo.
Acho extremamente interessante como o autor consegue ter esperança e duvidar ao mesmo tempo. É uma esperança ressabiada, sabem? Que prova maior temos disso do que o flamingo representando-a? Como já disse, achou-o um animal frágil. Além de que Sulplício narra que o pai dele caçava as aves para comer. 
No final, a minha impressão é de que Mia Couto acredita no país dele e de que ele vai se fortalecer e vai se reconstruir, porém depende do que ainda está por vir. A pergunta final seria: "Quanto mais podemos aguentar?".
(Essa foi a resenha mais complexa que já ousei escrever de um livro. Mia Couto é um autor único. Poucas vezes vi um livro tão rico em imagens, metáforas e símbolos. Extremamente indicado.)

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